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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

1ª Parte do texto artigo/romance do poeta/escritor João Bosco da Silva


J O Ã O  B O S C O  D A  S I L V A


* * * DE  P É - C O X Ó * * *




(ROMANCE MEMORIAL)


EXPLICANDO: “DE P É - C O X Ó “

IMAGINE UMA PESSOA em posição ereta, equilibrando-se apenas em um dos pés. Uma das pernas estará dobrada para trás, formando um ângulo de 90 graus. Diz-se, comumente, na posição de "fazer um 4", o pé da perna encurvada tocando a outra por trás, na curva do joelho.
A expressão "fazer um 4" é bastante conhecida e geralmente usada entre os amigos da "A C A - Associação dos Cachaceiros Anônimos", para avaliar o estado de embriaguez de alguém. Proferida em tom de desafio, fica mais ou menos assim:
- Veja se você ainda é capaz de fazer um 4!
Em equilíbrio precário, vê-se o desafiado compelido a tentar a façanha. Se o seu estado etílico não é tão ruim, conseguirá demonstrar a proeza e ainda ensaiará um ou dois pulinhos, como a querer dar prova de firmeza e lucidez. Ás vezes, porém, o próprio bêbado se oferece para fazer a prova de sua sobriedade:
- Vejam! ainda sou capaz de fazer um 4.
Antigamente, havia em minha terra uma brincadeira muito apreciada pelas crianças que consistia na corrida com uma perna só, até determinado objetivo. Apesar de simples na aparência, eram muitos os tombos. Só bem poucos logravam atingir a linha de chegada.
Ainda me lembro bem - como se fosse hoje! - da Estrelinha. Areia branca e frouxa, uma leve inclinação até chegar ao fundo do riacho. Ficava entre nossa casa e a casa de Mané Loura, meu irmão mais velho, essa arena da infância, palco de tantas corridas e tombos, bundacanascas e lutas, nessas saudáveis brincadeiras que não voltam mais...
Imagine agora uma pessoa subindo uma escada, degrau a degrau, nessa situação: com uma perna só, à feição do Saci, cada salto para cima a exigir esforço maior. Difícil, mas não de todo impossível, dependendo da quantidade de degraus. E da inclinação da escada.
A vida guarda alguma semelhança com essa hipotética subida. Principalmente as conquistas que ao longo dela vai o homem conseguindo. O bêbado, ao tentar fazer um 4; a criança, na corrida com uma perna só; ou uma pessoa qualquer, um perneta por exemplo, ao subir uma escada. Em todos os casos, as atitudes e procedimentos são bastante similares, sendo essenciais esforço físico, equilíbrio e perseverança.
O prêmio, para muitos, não passa de vã esperança, embora todos tenhamos um pouco desse hipotético Saci ou desse bêbado equilibrista.
Em Jenipapeiro, minha terra natal, no tempo de minha infância, as brincadeiras iam acontecendo à medida que a garotada se cansava de cada uma delas. Aí, dentre as muitas propostas, alguém sempre sugeria: “Agora vamos pegar corrida  DE  P É – C O X Ó ? ! “
E então, como se fora um desafio, formavam-se os pares para a acirrada disputa.

P R Ó L O G O

V I R O V E U

1. VEM DE LONGE, ziguezagueando em altos e baixos, e cai, quase abrupto, cerca de vinte metros - o morro. Na superfície, pedregulhos sobre uma fina camada de piçarra, de um tom vermelho vivo. Logo abaixo, barro liguento, quase roxo; e mais fundo um pouco, tabatinga estriada de vermelho e branco. Na profundidade de um metro e meio, mais ou menos, tem início uma espécie de salão cinza-asfáltico impermeável, duro o bastante para cegar o gume de qualquer ferramenta de trabalho, como chibanca, cavador ou picareta. Todo o terreno é recoberto de vegetação vária: velame, cansanção, jurubeba, malícia-preta, capa-bode, unha-de-gato e arbustos de médio porte. Alteando-se aqui e ali, como a servir de guarda-chuva a essa flora rasteira, o pau-d’arco, o jatobá-de-chapada, o caneleiro, o chapadeiro, a aroeira, a sapucaia e a mirindiba, sob cuja fronde fazia festa o foboca a degustar-lhe os frutos. Fazendo-lhe companhia nesse “fistivo” alimentar, seguiam-se os primos peba e tatu, que deixavam cheios de fojos o terreno em derredor.
Análises laboratoriais revelaram elevados teores de cálcio e salitre, tornando-se assim um solo de pouca serventia para implantação de pequeno pomar, salvo se aplicada severa correção com calcário e outros ingredientes da terapêutica agronômica. Mesmo no plantio de feijão, milho e melancia o rendimento é apenas regular.
Desse ligeiro “retrato” há que se inferir que esse terreno é de pouca valia, pelo menos no aspecto da exploração econômica. Mas talvez se lhe faça alguma injustiça, se não se lhe fizer outro “retrato”. Veja-se, pois, essa nova abordagem.
Na aba ou socalco do lado direito, em que se forma pequeno platô, assenta-se a casa: grande, amplas salas, quartos amplos, e demais dependências, inclusive alpendre. Bonita e firme, bem plantada - a casa!
Ali, nesse alpendrado que a rodeia por completo, está sempre armada uma rede de tucum, cujo feliz proprietário a vai mudando de lugar de acordo com a posição do sol. Ali, no delicioso das tardes estivais, com a sombra das muitas mangueiras e mamoramas a amenizar o calor, ele mata o tempo em relembranças, onde o fantasma de seu pai - e outros fantasmas menos presentes e marcantes - têm cadeira cativa.
“Um rio que flui... ou reflui... em lembranças...”
Ali, no Viroveu! Homenagem de dona Sônia ao seu falecido sogro, ao propor esse nome para batizar o sítio.
Uma espécie de concurso fora proposto na família para a escolha de um nome. “Bom Descanso”, um sugeria; “Interlúdio”, aventava um outro. “Recanto do Poeta”, “Raio de Sol”, “Morros”. Vários nomes foram lembrados. Alguns, como “Morros” e “Pedregulhos”, bem consentâneos com a realidade física do lugar; outros, como “Recanto do Poeta” e “Interlúdio”, mais tendentes a satisfazer o espírito sensível e poético de uma família de românticos e sonhadores.
A indefinição quanto à escolha de um nome já se delongava por vários fins de semana. Dona Sônia, que jamais participara com sugestão alguma, resolveu intervir:
- Por que não Viroveu?
- Viroveu?
Um coro afinado queria saber o que significava Viroveu.
- Vocês não sabem?
Não; seus filhos não sabiam. Então ela explicou:
- Viroveu é, ou era... que não sei se ainda existe... a fazenda de Seu Loura, avô de vocês, onde seu pai passou a infância e adolescência.
Ah, Dona Sônia! Sempre ponderada e sábia. De onde estava, em minha rede de tucum, olhos brilhantes, coração batucando no peito, tentei agradecer. Mas a voz, embargada, só me permitiu balbuciar: dona Sônia...
O “muito obrigado” ficou preso na garganta. Não precisava ser dito. Nada mais precisava ser dito. Eu amava muito minha mulher, companheira de tantas e difíceis jornadas. Daquele dia em diante passei a amá-la ainda mais.
Um dia, de brincadeira, chamei-a de “dona Sônia”. A coisa pegou, virou hábito. E ficou “dona Sônia” para sempre. Como se eu fosse um “barriga-branca”, sob suas ordens! Não era nada isso; apenas uma demonstração de carinho e respeito pela mulher que ela é.
Dona Sônia sugeriu, e assim ficou batizado o sítio. Em homenagem a outro Viroveu, onde ela estivera apenas uma vez, logo após nosso casamento.
O Viroveu da homenagem é virado em morros, cheio de pedras, relógio, malícia-preta, erva daninha. Nada mais produz que ilusão. Aquel’outro, em belo altiplano das terras de Jenipapeiro, areia róseo-avermelhada, sem pedras, sem barro-massapé, era formado por matas de boa chapada, boas terras para o plantio do feijão e da mandioca. E produz muito bem, quando o inverno favorece. Este, ao contrário do outro, tem produzido muito mais que ilusão. Viu nascer e deu vida a muita gente. O celeiro dos Loura, por muitas gerações.
Bem diferentes, pois, esses dois Viroveus. Viroveus que, à parte diferenças, reúnem de certa forma as duas pontas de minha vida - infância e velhice. Naquele, a doce e longínqua infância, toda ela impregnada da figura austera de seu Loura, meu pai, no seu labor diuturno; neste, o repouso do guerreiro, o ponto de apoio onde desfruto a merecida aposentadoria e de onde assisto ao correr desta saudade, em que fantasmas - de vivos e mortos -, se vão encontrando no aprisco de minha memória sentimental, para recordar velhas histórias e a própria Terra...
Viroveu um: sítio de meu pai, o respeitado velho Loura; ou Pé de Papagaio, como alguns o chamavam.
Viroveu dois: sítio meu, que me faz sonhador!
Daí que hoje, aposentado da lide bancária, vestindo o pijama e pendurando as chuteiras - e sem nada melhor para fazer -, vou escrevinhando estas páginas, em confissões de saudade e de dor de um homem outonal, crepuscular e de alma poética...





Esperem vem ai as 2ª e 3ª partes...

3 comentários:

  1. Infelizmente, não conheci o Viroveu da infância do meu pai! Minto: conheço-o bastante em minha imaginação, pois muitas são as leituras já feitas sobre este pedaço de chão tão idolatrado, decantado, enfim, amado por meu pai! Mas a descrição é tão impregnada de sentimento que chego a invejar este local em que, não obstante as agruras enfrentadas, meu pai - talvez até tardiamente - descobriu que fora tão feliz! Sou suspeito para elogiar a obra de meu pai, por isso prefiro dizer apenas do sentimento que me vem no peito cada vez que leio: orgulho! "Pé Coxó" foi a primeira obra em prosa que ele escreveu! Permanece inédita! Que bom o início da sua divulgação em data tão especial: 09 de novembro é o aniversário do meu pai! Ótimo presente ver seu livro - há tanto tempo guardado - sendo levado a conhecimento público! Parabéns, meu pai! Saiba que te amo muito!

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  2. Fez bem construir esse cantinho para que nas férias seus netos(a)possam desfrutar desse espaço, longe dos arranhas-ceus e da poluíção.
    aí dá até pra brincar de pé-coxó, e tantas outras brincadeiras.
    muito bacana a sugestão de tia Sônia com o nome viroveu, foi uma homenagem e tanta!
    que bom que lembra da sua infância, das suas brincadeiras e do nosso virovéu, é sinal que nunca esqueceu suas origens.
    tenha certeza que nesse seu novo recanto o
    "virovéu II", voce vai ter muita inspiração e vai escrever ainda belas poesias, romances, contos...
    olhando as fotos, dá pra ver que é mesmo um recando propício.
    o viroveu ainda existe,o pé de trapiá.
    poucas coisas estão como antes,a casa(aviamento) já esta bem velhinha e pela metade.
    pra recordar melhor, faça uma visita,
    as vezes é bom conferir pessoalmente como está tudo, depois de tantos anos.
    é uma terapia, lava um pouca a alma.
    Mônica, sobrinha.

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  3. Caro João Bosco, pela introdução, o romance deve ser bem acolhido, principalmente porque da lavra do escritor João Bosco, muito inteligente e criativo, a ponto de buscar no fundo do baú expressões tão conhecidas no nosso tempo de criança como de pé - coxó e bundacanascas. Ficamos na expectativa do lançamento. Abraços. José Carmo Filho

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