Bem Vindo ao Blog de Fco. Santos - PI

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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Seresta no Clube recreativo 3 Irmãos


O proprietário Garlene tem o prazer de convidar toda a população local e de localidades vizinhas, para uma animadíssima seresta com Demerval, no próximo domingo dia 25/12/11. Traga sua família para festejar o Natal no clima agradável do Clube Recreativo 3 Irmãos  

3ª Parte do texto artigo/romance do poeta/escritor João Bosco da Silva

J O Ã O  B O S C O  D A  S I L V A




* * * DE P É - C O X Ó * * *
 
Mas, o que é Viroveu?

O Viroveu tem a sua história e o seu porquê.

As terras de nossa antiga residência de inverno exauriam-se rapidamente, o que forçava a família Loura a "botar" roça nova a cada ano. A divisão geodésica em Jenipapeiro ocorrera em meados da década de 1940. João Mariano, previdente que era, já tinha em mãos os seus títulos, representados por folhas de pagamento ou formais de partilha, em seu nome e no nome de cada filho. Esperava somente a demarcação, com a abertura dos aceiros e a fixação dos limites, para registrá-los no cartório de Pascoal Santos, em Picos. Confidencialmente, seu amigo Licínio Pereira já o prevenira que a demarcação viria no início da era de 50. Seria bom que ele, meu pai, procurasse terras descansadas, de preferência de matas virgens e, se possível, longe de vizinhos, para evitar futuras arengas.

- Por ora - informava aquele chefe político (informal) - o lavrador poderia fixar-se aonde bem quisesse, desde que não criasse problemas. Depois da demarcação, isso não seria mais possível. Seu Loura, não obstante o apego ao velho sítio, resolveu seguir o conselho do líder e amigo. Assim, no verão de 1947, partiu em companhia dos filhos mais velhos para uma viagem exploratória. Em lugar ermo, isolado, mais de légua a oeste do último rancho, julgou encontrar o que procurava: terra plana, solo arenoso, de cor róseo-avermelhada, boa mata, ainda intocada. Não existia água, pelo menos em círculo de uma légua. "Tem nada não, dá-se um jeito" - ele pensou. – “Onde estamos atualmente também não havia. O rio deverá ficar a coisa de uma légua, é só abrir caminho" - concluiu. Era ali mesmo, apesar das opiniões contrárias dos filhos. Adotando como lema o provérbio popular que recomenda não deixar para amanhã o que pode fazer hoje, logo fez rancho e instalou-se provisoriamente, iniciando a ocupação. As dificuldades foram muitas, mas ele as foi vencendo uma a uma. Até a escolha do nome da nova morada tem sua história, que se resume no seguinte. Durante as semanas que ali passaram em serviço de broca, não viram outro vivente que não um pequeno pássaro de penas azuladas e canto muito triste.

- Quando essa ave rara soltava a voz, ali pelas cinco da tarde, parece que chorava - concluía seu Loura, explicando a razão do nome e revelando, assim, o sentimental que se escondia atrás de sua carranca aparentemente impenetrável.

Mané Loura, principalmente, não gostara nada daquele local. Certo dia, após ouvir o sofrido canto do solitário passarinho, aproveitou a ocasião para, assim como quem não quer nada, criticar a decisão paterna, comentando:

- Será que o bichinho está com sede?

- Este pássaro não bebe água, só vive em lugar seco - respondeu o velho, entendendo a intenção do filho em juntar mais um argumento contra a escolha daquele lugar.

- E que pássaro é este que não bebe água?

- Se chama viroveu - disse, lacônico, o velho.

- Será que nós também vamos ter de viver que nem ele? Se pelo menos fôssemos como papagaio, que tem a língua seca, mas faz zoada, em vez desse canto chorado...

Esse comentário foi bastante significativo, era a reprovação mais evidente que o filho mais velho tivera coragem de proferir. E o velho, pegando no ar os subentendidos, rebateu:

- Se não quiser me acompanhar, pode tomar seu rumo. Você é de maior, casado, e tem seus papéis na mão; portanto é dono de seu nariz. – E como remate, olhando por cima do lombo: - Isso vale para qualquer um de vocês.

Isso encerrou o assunto. Mané Loura teve de aceitar a decisão do patriarca do clã. Mesmo assim, não deixou de resmungar para os demais irmãos:

- Só que não somos viroveu. Virmos para um lugar que nem água tem pra aliviar a sede de uma pequena ave que nem essa... ?!

Já no inverno seguinte, mesmo a contragosto de Mané Loura, a mudança foi feita. E um ano depois, abriu-se caminho direto Viroveu/Ribeira e a Serra Velha foi sendo abandonada, abandonada...

Dela, hoje, nem posso imaginar o sítio.

Aí estava: V i r o v e u, nossa nova morada de inverno. Em homenagem a esse pássaro triste, que de tardezinha soltava sua voz plangente, como a envolver em nostalgia e mistério o espírito do homem cansado, mas nunca vencido.

Viroveu!

Uma invenção de meu pai? Certamente, porque não existe em qualquer dicionário, nem mesmo no livro "Aves Brasileiras", edição do MEC, qualquer registro de ave com esse nome. Talvez um dia algum estudioso da passarada consiga descobrir qual a ave com essas características e possa, então, explicar porque teria sugerido ao velho Loura nome tão singular. Possivelmente, a onomatopéia do canto:

Viro... veu; viro... veu; viro... veu ! ! !

A pequenos intervalos, três trinados de dor e nostalgia!

V i r o . . . v e u ; v i r o . . . veu; v i r o . . . veu ! ! !

O nome pegou que nem visgo. E mais do que isto: virou xodó! Tem suavidade e sugere tristeza. Mas o Viroveu só é feio e triste em tempo de seca, quando tudo seca - a terra, a mata, o ar, os bichos e... o próprio Homem!

* * *

Ai, Viroveu... Doces lembranças que me põem saudoso!

Vejo - ou revejo - meu pai, sempre aos domingos, a convidar-me a dar um passeio pelas roças. Tomava-me a mão e saíamos a fazer o périplo da verificação do crescimento do feijão, da mandioca, da melancia e das demais promessas da estação.

Quanta emoção ao, lá um dia, descobrirmos o primeiro botão, o primeiro “canivete”, a primeira vagem diminuta! Da melancia, então, descobrir a primeira vinga, nem falar!

- Cuidado! - recomendava Seu Loura.

E, então, acocorava-se ali pertinho e, quase com devoção, quedava-se a olhar aquelas primícias de sua safra com um carinho de amante. Cuidadosamente, afastava uma rama mais próxima, arrancava um matinho que lhes ficasse por perto e, daí, profetizava:

- Dentro de vinte dias, no mais tardar um mês, a gente come o primeiro cozinhado.

- E a melancia, quando a gente parte a primeira? - eu perguntava, todo interessado.

- É também por esse tempo.

E prosseguíamos viagem pelo mandiocal novo, os tenros brotos a despontar com viço da roça nova, queimada de próximo. E ele, redobrando-se em cuidados, sempre a recomendar:

- Veja por onde pisa!

Na volta, trazia o molho de maxixe pendurado no dedo, para temperar o feijão velho, ainda do ano anterior. Com muita nata ou manteiga, punha-lhe o maxixe um novo sabor. O maxixeiro não carecia de plantar; nascia à-toa e era o primeiro fruto da estação invernosa.

Ah, Viroveu ! ! !

Ai, Viroveu . . .

Como fui estulto quando, um pouco mais crescido, amaldiçoava-te por ter que trabalhar um pouco em tua seara! Amaldiçoado tu, que tanto nos deste?! Tu, messe, benesse, seara, celeiro de todos nós... A quantas gerações alimentaste?

Hoje, só posso refazer esses passeios pelas asas da saudade. Que o tempo, implacável e cruel, de ti só deixou ruínas; e ao meu bom velho, também já levou.

E assim me fico agora no frio inverno da vida (não seria outono?) a evocar lembranças, como as da primeira apanha de feijão...

Viro... veu! Viro... veu! Viro... veu!


sábado, 10 de dezembro de 2011

Crônica do escritor João Bosco em homenagem ao seu pai João Mariano (Seu Loura)

AO MEU PAI(FERRO)




Por: João Bosco da Silva



* - 07.09.1896

† - 07.12.1972

NUNCA MAIS, como antigamente, sentarás no terreiro, lado direito da porta, às 3 horas da tarde. Nunca mais, como antigamente, verás a sombra da casa alongar-se com o decorrer das horas, atingir o tronco do flamboyant, 5 metros adiante, ali pelas 5 horinhas, até fundir-se na imprecisão do lusco-fusco do cair da noite...

Tãum... tãum... tãum... tãum... tãum... tãum...

Seis badaladas mágicas, nostálgicas, compassadas, que o velho sineiro da igrejinha local, um quilômetro acima, fazia repercutir nas tardes de domingo. Atualmente aboliu-se essa prática. A voz do sino, nas ave-marias, fica apenas na lembrança dos saudosistas como eu, ou dos mais chegados na idade...

Nunca mais, como antigamente, verei meu pai, nessas tardes de folga, quedar-se contemplativo ao som daquelas seis badaladas, numa atitude de beatífico respeito, recolhimento e místico temor.

Nunca mais, como antigamente, verei esse quadro tão singelo. Aqui já só parece existir o antigamente. Porque tudo já é decadência, abandono e desolação. Meu pai já não está mais aqui; a casa já não pertence à família Loura. O alto em frente encheu-se de vassourinhas e o flamboyant, galhos retorcidos de angústia e saudade, já não flora mais.

Flamboyant, velho amigo! Continuas aí, já não tão firme como antigamente, mais solitário e com ar de quem chora a prolongada e definitiva ausência de entes tão queridos! Outrora, esconderijo de tanto menino gárrulo - filhos, netos, bisnetos - sob tuas ramagens verdes (eu, inseto a devorar tuas flores rubras), quanta conversa tivemos! Agora, aí isolado, desolado, descuidado - de todos esquecido... Agora, ninguém mais te procura, dia claro ou noite escura, quem sabe de ti? Hoje, nem mesmo ocasional viandante te acena, amistoso. O caminho que levava a ti, acabou-se; a casa, cuja frente adornavas, está a ruir... * E o dono da casa?

Foi passear no céu, em outros Viroveus...

A d e u s ! ! !

* * *

Na casa... velha casa... ninguém mais vive. Não se ouve mais um som de nada. Essa saudade silenciosa e surda não produz som e está muito distante. As árvores... velhas árvores... de em volta - o pereiro-preto; o trapiá de meu pai; o jatobá-de-porco; o jenipapeiro (este bem mais novo); o pé de juá (cortado para servir de ração para o gado na grande seca de 1958) - sumiram todas. Oh, breve transitoriedade das coisas... Eternidade tão breve! Quantos anos? 10, 20, 30?

Que sei eu...

Foste aquele pau-ferro da frente lá de casa - frondoso e firme, e de muitos galhos. Um dia, fogo de seca - 1 9 5 8 - da velha árvore tão forte só o tronco restou.

Hoje, retornando após tantos anos, nem o velho tronco chamuscado, nem tu, meu pai, sempre de filhos e netos rodeado!

O velho pau-ferro, que nos viu nascer, tombou pelo fogo da seca. O velho pai-ferro, que nos fez viver, tombou pelo fogo de tanta vida. Tiveste, meu velho, uma vida plena. Velho Loura, bondoso, justo e amigo, da vida te foste, mas deixaste o exemplo. Só que nenhum de nós consegue exercitar, como tu, as tuas raras virtudes: probidade, trabalho e amor!

Meu bom e querido velho Loura! Conforme a gente conversava, fui o herdeiro de tua velha casa e do teu velho Alto do Trapiá. Mas as vicissitudes da vida me obrigaram a desembaraçar-me de tão preciosos bens. Foi para servir teu filho José, em momento de apertura financeira, que deles me desfiz. Seria uma atitude bem tua: Servir os teus filhos, tudo fazer por eles. Por todos nós.

De onde estiveres, manda-nos as tuas bênçãos.

* * *

A MORTE DE SEU LOURA decretou o fim do seu clã. Os filhos, desnorteados, não encontraram entre si liderança a altura de orientá-los e dirigi-los. Mas a vida havia de continuar. E era preciso vivê-la. E veio a dispersão final.

Maria, mãe de Evangelista, foi o primeiro desfalque: faleceu em 1945. Em 1972 - época do óbito do patriarca - já moravam fora: em São Paulo, Teresa (falecida); Em Picos, Geralda e Camila; em Teresina, Mariano e Céu (falecidos) e eu. Após a morte de nosso pai, arribaram para Araguaína: Mané Loura e Bió (falecidos) e José. Como única e última representante direta, apenas Sança continuaria morando em Francisco Santos, até falecer em 14 de junho de 1984.

João Mariano da Silva!

Do teu grande time, restamos vivos: Geralda, José, Camila e eu.

A nós, que ainda cá estamos, mesmo sem a sombra do teu manto protetor, resta a obrigação de honrar o teu nome e homenagear a tua memória – querido velho!

E os netos? E os bisnetos? Há-os espalhados neste imenso território de brasis, tentando levar a vida. Alguns nem se lembram mais, e outros nem sabem, que um dia existiu um bom velho chamado... Seu Loura.

E m J e n i p a p e i r o ,

hoje Francisco Santos.

Onde fica isso? – perguntarão.

. . . ? ? ?

* Esta crônica foi escrita quando o flamboyant e a casa ainda exisitiam. Agora, nem a árvore amiga, tampouco a casa que me viu nascer.