O texto a seguir foi completamente escrito pelo Autor do Livro João Bosco da Silva.
JENIPAPEIRO: A Terra Dos Espritados:
- "Mais isto é o diabo, Mané Loura! Inté aqui encronto este mangaiêro dos inferno pra me pressiguir... ô c'os diabo".
- "Mais é tu, Zé Nicó das profunda! Que que tu tá fazeno aqui neste lugar que o cão perdeu as espora? Ô espritado dos inferno!"
E os dois alheiros se abraçam com efusão.
Esse diálogo, fielmente reproduzido, de fato aconteceu entre os dois alheiros em Araguaína, quando aquela cidade era apenas um amontoado de casebres e ruas poeirentas. Ali estavam eles procurando descobrir mercados novos para colocação de seus produtos: o alho!
Como se depreende, espritado, aqui, está mais para um cumprimento amistoso, embora irreverente, que para um xingamento, não querendo dizer que tal não seja em outra situação. Espritado, no diálogo acima, é uma forma de externar alegria, não obstante o que se lhe segue como complemento: "dos inferno". Esse "dos inferno" é reforço, ênfase, nada mais que isso.
O termo comporta muitas significações. Espritado é um elogio à tenacidade, à teimosia, à persistência, à perseverança desse homem tão singular, que é o francisco-santense. Você é o cão, véi; Você é um home medõio; Aquilo, véi, é um condenado; Tu conseguiu vender teu ai por este preço, véi? Tu é mermo um espritado. Essas são expressões que se ouvem dizerem-se de uns e uns aos outros, seja entre os vendedores de alho, após suas rondas comerciais, seja na conversação mais banal.
Aurélio (1978), famoso dicionarista, aponta “espritado” como um brasileirismo do Nordeste, significando: “digno de admiração; de extraordinária valentia”. Embora também consigne como: “pessoa possuída pelo espírito do mal”. Podemos garantir que esta última concepção passa longe de nossa gente.
Queremos crer que o significado conotativo da corruptela tem derivação bíblica. Religioso como é o nosso povo, está arraigada em sua memória coletiva a história do Gênesis, que informa sobre como Deus, soprando nas narinas do seu Homem de Barro, fez insuflar-lhe vida, alma, ânimo – espírito, enfim. O espírito é, portanto, o sopro de Deus, o que faz a pessoa mover-se. Por extensão, o nosso espritado seria aquele que se movimenta com desenvoltura, que não desiste, que enfrenta com coragem os obstáculos, as dificuldades. Espritado é quem tem espírito de luta, como o nosso caboclo. É Fé e Esperança. É, pois, substância e qualidade.
Os nossos vizinhos de Santo Antônio de Lisboa, com vezo de deboche, ao entoarem o primeiro verso do hino de nossa cidade: "Francisco Santos, terra singular”, cantam: “Francisco Santos, terra de espritados". Ao contrário da caçoada, o que conseguem é confirmar – e realçar! - esse nosso espírito de luta!
Espritado é uma filosofia. Um modo de ser e de viver. É cair e levantar, é tocar em frente. É lutar contra o revés. Nós mesmos já ouvimos, em mais de uma oportunidade, o conterrâneo ser definido assim: Aquilo é o cão; é da terra dos espritados.
Existe o mangalheiro de Picos, de Bocaina, de Santo Antônio de Lisboa e de outras cidades ou povoados dos vales do Riachão e do Guaribas, onde, até em passado recente, desenvolveu-se fortemente a cultura do alho. Mas nenhum deles é chamado assim. Só nós, de Francisco Santos.
Vivamos nós, os ESPRITADOS! 1
1. Fomos informados, recentemente, numa reunião com professores (dez/2004) que o termo espritado está caindo em desuso, principalmente por parte da juventude estudiosa. Também agora (ago/2009), algumas pessoas, inclusive professoras, discordaram do uso desse termo para título do livro. Soubemos, inclusive, que um conterrâneo e até parente teria ameaçado lançar uma campanha para boicotar a venda do livro, caso o título não fosse mudado. Uma educadora, proprietária de um estabelecimento de ensino fundamental, nos disse pessoalmente que esse nome (espritado) nem mesmo pronunciaria. “Quanto mais, ler o livro!” – sentenciou.
A todas essas pessoas tentamos justificar o uso do termo, mas parece que não fomos bem-sucedidos. A resistência continua por parte de alguns. Em compensação, temos recebido declaração de apoio de dezenas de pessoas amigas, através de e-mails e oralmente, para que mantenhamos o título do livro: JENIPAPEIRO: A Terra dos Espritados. Assim, só nos resta atender os reclames desses futuros leitores, mesmo porque colocar outro título seria negar, completamente, o espírito de nossa gente, aquilo que ela realmente é: aguerrida, obstinada e capaz! E, devemos declarar, a mudança nos deixaria sangrando, visto que levamos mais de 30 anos na feitura desta obra, que reputamos traçar, de forma inequívoca, o caráter do nosso povo.
Mais uma vez tentando esclarecer, queremos enfatizar que o registro histórico deve ser o mais fidedigno possível. Afastar-se disso é, no mínimo, falsear a verdade dos fatos. Nós constatamos que se mudaram apenas alguns costumes, mas a obstinação, o espírito de luta e a versatilidade de nossa gente não mudaram. Não se mudam hábitos arraigados de uma hora para outra; nem mesmo em uma geração. A maneira de falar (mais véi, oi quisto), a mania de falar alto, o hábito de tratar quase todos por apelido (Boi da Moita, Cabelo de Rato) – são características nossas. O alunado, escolado em outros ambientes, daqui a algum tempo, quem sabe, estará ensejando essas mudanças. Mas, por ora, nós ainda continuamos com aquele aspecto matuto e brejeiro, embora desenvoltos e capazes de desembaraçarmo-nos de quaisquer dificuldades.
Por enquanto, esse aspecto do caráter de nosso povo continua o mesmo, e foi essa concepção que nos fez atribuir o título original, até como forma de homenagear nossa gente. A palavra espritado era amplamente usada, ainda o sendo atualmente pelas pessoas de mais idade. E nela, conforme se verifica na tentativa de explicação acima, não existe deboche, gozação, desdém. Muito pelo contrário: nela se expressa toda a extensão “biográfica” de nossa Terra e da teimosia de sua aguerrida gente.