TRÂNSITO CAÓTICO NOS GRANDES CENTROS URBANOS
A vida nos grandes centros urbanos no Brasil é rodeada por problemas que se multiplicam e vão se agravando numa velocidade alucinante. Destaca-se entre eles o trânsito, como conseqüência da circulação excessiva de veículos nas ruas e avenidas, que praticamente já não mais suportam tamanhas demandas. Os intermináveis engarrafamentos constituem uma permanente preocupação dos governantes e uma diária dor de cabeça para a maioria da população.
Como explicar que, em tão poucos anos, rapidamente se instale o caos na circulação de veículos motorizados, nas grandes cidades? Certamente uma série de variáveis deve ser considerada, a começar pela ausência de políticas públicas de grande abrangência, direcionadas para o setor de transporte, a nível individual e coletivo. Numa urbe com população superior a um milhão de pessoas a opção lógica deveria ser o transporte de massa: trem, metrô, ônibus, etc. Na Europa, alguns países adotam esta política, com bons resultados. A Suécia, a Alemanha, a Inglaterra, entre outros, estão bem posicionados neste sentido.
A instalação no Brasil de várias montadoras de veículos, num primeiro momento; o crescimento rápido e desordenado das metrópoles, em parte por conta da migração das populações rurais; a melhoria do poder aquisitivo da população em virtude do crescimento econômico e as facilidades de crédito pelo sistema financeiro tiveram papel fundamental na expansão do mercado de automóveis. A abertura e a globalização da economia também devem ser lembradas neste contexto. Bastaram duas décadas (1990 a 2010) para que as vias urbanas, nos grandes centros, tornassem insuficientes para a regular fluidez do intenso trânsito no presente.
Não se pode ignorar, de outro lado, uma questão cultural quando vem à baila o uso individual dos veículos de quatro rodas, como decorrência do deslumbramento que eles produzem na mente das pessoas. De certa forma, trata-se de um comportamento que tem como pano de fundo o status social. É claro que a maioria não reza por esta cartilha, mas movida pela premente necessidade de locomoção. Entretanto, a causa principal do caótico modelo brasileiro de trânsito, a nosso ver, está vinculada à inexistência de sistemas de transportes coletivos de boa qualidade, nas grandes cidades, como, aliás, já mencionado anteriormente.
Há outro fator que concorre certamente para o agravamento do problema em tela: um veículo popular dispõe de vagas para cinco passageiros, incluindo o motorista, mas, no dia a dia, o que se observa é o desfile gigantesco de automóveis com apenas uma pessoa na sua direção. Teoricamente, neste caso, dá-se um desperdício na proporção de cinco por um. Isto equivale dizer que para cada 1.000 automóveis circulando 4.000 pessoas deixam de ser transportadas. Merece também ser destacado o costume observado em famílias de poder aquisitivo mais alto de adquirir um automóvel para cada um de seus membros, estimulando, de resto, o individualismo também neste particular.
Os governos, na medida dos limites orçamentários, fazem o que podem para que o problema seja minimizado. Constroem viadutos, alargam e asfaltam ruas e avenidas, ampliam os estacionamentos. Em algumas cidades implantam sistemas de rodízios e já se fala em criar o pedágio urbano. Todas estas providências vão se tornando insuficientes e não se vislumbram, a curto e médio prazo, soluções que equacionem de vez questão crucial na vida moderna das pessoas.
Enquanto não se encontram caminhos para viabilizar e humanizar o trânsito nas metrópoles e outras grandes cidades brasileiras, as pessoas vão aprendendo conviver, a duras penas, com as imensas dificuldades geradas pelos contratempos e desgastes deste moderno meio de locomoção. Muitos são, por conseguinte, os prejuízos que se contabilizam, a começar pelo desencanto de se possuir uma máquina veloz, mas que nos momentos de maior necessidade se vê impossibilitada de acelerar, por absoluta falta de espaço.
Do ponto de vista prático, a necessidade básica para o uso do automóvel é o deslocamento rápido, especialmente entre o local de trabalho e a residência. Tal objetivo vai gradualmente tornando-se impossível. Conseqüentemente, o tempo gasto nesse percurso é cada vez maior, a ponto de, para se perfazer um percurso em torno de 20 quilômetros, serem necessárias duas horas ou mais. Isto já acontece em Brasília, nos horários de maior fluxo.
Outra dificuldade presente para os usuários do transporte individual é encontrar estacionamento próximo ao seu local de trabalho. Para atingir tal meta com relativo sucesso, faz-se indispensável antecipar a saída de suas casas em uma, duas e até três horas. Quando conseguem estacionar ainda tem de enfrentar os ”flanelinhas”, como são conhecidos os guardadores de carros, agindo sempre sob a informalidade e, na ausência de fiscalização do estado, impondo suas regras e achaques. Não bastasse tanto sofrimento, ainda há de se conviver com a incerteza de, na volta, encontrar o carro, ou verificar a subtração de acessórios, aparelhos de som e objetos de uso pessoal nele deixados. Considere-se ainda o medo constante dos assaltos nos faróis, os seqüestros relâmpagos, as balas perdidas e sabe lá Deus mais o que tanto os atormentam. Com isso a neurose só vai aumentando.
A deseducação da maioria dos motoristas é outra causa que contribui decisivamente para que a desordem se instale no trânsito. O descumprimento da legislação aplicável é de tal ordem que os governantes, sempre ávidos por uma receitinha extra, estão institucionalizando a indústria da multa, com uma parafernália de equipamentos disseminados nas vias mais movimentadas, montados de tal forma a se constituírem verdadeiras armadilhas. Exatamente por esta razão, a opção da multa é muito mais atrativa para os governantes do que a implantação das medidas preventivas necessárias, como campanhas de esclarecimento e de orientação. As tensões provocadas por essa avalanche de problemas vão minando as resistências das pessoas que direta ou indiretamente se acham envolvidas, comprometendo a saúde física e mental das mesmas. Os conflitos entre motoristas, resultantes de incompreensões no desempenho da direção, são causadores de brigas e até de morte, com tanta regularidade, que já são vistos como uma coisa rotineira, banal. O estresse vai se instalando, além de outras patologias cruéis, como a depressão e a síndrome do pânico.
As mortes causadas pelo tumultuado trânsito nosso de cada dia são contadas por milhares, no transcurso de um ano. É assustador a quantidade de pessoas paraplégicas, tetraplégicas e com outras lesões incapacitantes para o trabalho, decorrente de acidentes de trânsito. O conseqüente prejuízo para o mercado de trabalho, e máxime para o sistema de saúde pública, é difícil de ser mensurado, mas que tem peso muito grande para as contas públicas, incluindo aí as de natureza previdenciárias. Isto é uma verdade incontestável.
Diante desse angustiante quadro, que caminhos se devem palmilhar, com vistas à viabilização de saídas para o impasse? Limitar o mercado de carros novos seria uma heresia diante do modelo globalizado de economia, com regras próprias e liberdade sem limites para expandir. O rodízio de carros (podendo rodar dia sim e dia não) é uma experiência que não alcançou os resultados esperados. A solução do pedágio, ainda não tentado aqui no Brasil, pode ajudar de alguma forma, especialmente a arrecadação municipal. A criação e expansão das redes de metrô ou de trem, na amplitude necessária, até mesmo a médio e longo prazo, têm custo de investimento astronômico, não suportável pela economia de países emergentes como o nosso. Há outros caminhos? É possível que sim, nem que seja apenas para mitigar as agruras do presente.
As condições atuais do trânsito nas grandes cidades brasileiras constituem um desafio para os governos, mas também para todo cidadão consciente. Sem o envolvimento vigoroso da sociedade civil, problema deste calibre tende a ser empurrado com a barriga de qualquer forma, avolumando-se as dificuldades e perenizando o sofrimento de todos.