O PREZADO AMIGO ANTÔNIO JOSÉ TEM,
INSISTENTEMENTE, ME CONVIDADO PARA ESCREVER UMA COLUNA SEMANAL PARA O SEU BLOG.
INICIALMENTE, DIZIA ELE, SOBRE POLÍTICA. RESPONDI-LHE QUE POLÍTICA NÃO ERA O
"MEU FRACO", MESMO PORQUE NÃO RESIDIA EM FRANCISCO SANTOS, PARA ESTAR
A PAR DOS ACONTECIMENTOS DO DIA A DIA, ACRESCENTANDO QUE, NOVAMENTE, RECUSAVA O
CONVITE, TENDO EM VISTA TRÊS RAZÕES: 1) A PAIXÃO DE NOSSA GENTE PELO TEMA,
PRINCIPALMENTE EM ANO DE ELEIÇÃO PARA PREFEITO, QUANDO OS ÂNIMOS FICAM
MAIS ACIRRADOS; 2) COMO TENHO AMIGOS DOS DOIS LADOS, PODERIA DESGOSTAR UM
OU OUTRO COM AQUILO QUE ESCREVESSE; E, 3) A FALTA DE APTIDÃO PARA
ARTICULISTA, JÁ QUE NADA ENTENDO DE JORONALISMO, CASO EM QUE A FORMA DE
ESCREVER É TOTALMENTE DIVERSA DO TIPO DE LITERATURA QUE PRATICO.
DIANTE DISSO, ELE, ENTÃO, ME LIBEROU PARA ESCREVER SOBRE QUALQUER ASSUNTO, FOSSE CRIANDO CRÔNICAS, NARRANDO EPISÓDIOS OU, INCLUSIVE, POSTANDO PARTE DO QUE JÁ TENHO ESCRITO EM LIVROS OU ESPARSOS. ASSIM SENDO, PARA NÃO DESATENDÊ-LO E NÃO PARECER INGRATO COM QUEM TANTO TEM ME DADO APOIO, DESDE O PRÉ-LANÇAMENTO DO "JENIPAPEIRO" ATÉ HOJE, DECIDI POSTAR PARTE DE UM CAPÍTULO DO MEU ROMANCE "PENSÃO CACILDA - Familiar", ESCRITO EM 1965, EM QUE DOU CONTA DE ALGUNS ASPECTOS DA VIDA SOCIAL E POLÍTICA EM NOSSA TERESINA DAQUELA ÈPOCA. NESSE PEQUENO EXTRATO PODERÁ O LEITOR, JOVEM OU NÃO, PERCEBER QUE POUCA COISA MUDOU DE ENTÃO PARA CÁ, NO QUE DIZ RESEPITO ÀS PRÁTICAS POLÍTICAS, SEJA EM NOSSA TERRA, SEJA PELO BRASIL AFORA
FICA A CRITÉRIO DO LEITOR A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO.
DIANTE DISSO, ELE, ENTÃO, ME LIBEROU PARA ESCREVER SOBRE QUALQUER ASSUNTO, FOSSE CRIANDO CRÔNICAS, NARRANDO EPISÓDIOS OU, INCLUSIVE, POSTANDO PARTE DO QUE JÁ TENHO ESCRITO EM LIVROS OU ESPARSOS. ASSIM SENDO, PARA NÃO DESATENDÊ-LO E NÃO PARECER INGRATO COM QUEM TANTO TEM ME DADO APOIO, DESDE O PRÉ-LANÇAMENTO DO "JENIPAPEIRO" ATÉ HOJE, DECIDI POSTAR PARTE DE UM CAPÍTULO DO MEU ROMANCE "PENSÃO CACILDA - Familiar", ESCRITO EM 1965, EM QUE DOU CONTA DE ALGUNS ASPECTOS DA VIDA SOCIAL E POLÍTICA EM NOSSA TERESINA DAQUELA ÈPOCA. NESSE PEQUENO EXTRATO PODERÁ O LEITOR, JOVEM OU NÃO, PERCEBER QUE POUCA COISA MUDOU DE ENTÃO PARA CÁ, NO QUE DIZ RESEPITO ÀS PRÁTICAS POLÍTICAS, SEJA EM NOSSA TERRA, SEJA PELO BRASIL AFORA
FICA A CRITÉRIO DO LEITOR A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO.
QUE TENHAM UMA BOA (OU MÁ) LEITURA.
JOÃO BOSCO DA SILVA
- 0 –
CAPÍTULO DEZ
1.
É AGOSTO e o rio Parnaíba mostra suas coroas de areia alvíssimas,
proporcionando aos habitantes da capital um arremedo de praia em cujas águas
doces afoitos banhistas realizam profundos mergulhos, ao passo que outros, mais
cautelosos ou medrosos, ficam pelas beiradas, deixando que a água só lhes
chegue à cintura.
O
rio é perigoso e traiçoeiro. Apesar das águas aparentemente plácidas, seus
muitos buracos e depressões no leito provocam “funis”, que já tragaram a vida
de incautos e afobados banhistas.
O
vento, quente e forte, sibila nos metais da bela ponte férrea, sobre cujos
trilhos a “Maria Fumaça” desliza faz dezenas de anos, transportando pessoas e
fazendo o escambo de mercadorias entre o Piauí e o Maranhão. Em homenagem a
esse velho trem, João do Vale, inspirado compositor maranhense, compôs um belo
xote, cujos primeiros versos leem-se abaixo.
Peguei
o trem em Therezina
Pra
São Luís do Maranhão;
Atravessei
o Parnaíba,
Ai,
ai, que dor no coração.
O
trem danou-se naquelas brenhas,
Soltando
brasa e comendo lenha
Comendo
lenha e soltando brasa,
-
Tanto queima como atrasa.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ai,
ai, Coroatá,
Os
cearenses acabam de chegar...
Referência
às centenas de cearenses e nordestinos de outros estados que demandavam o
Maranhão fugindo do rigor das secas que sempre assolaram os sertões,
periodicamente. Ganha destaque o cearense em virtude de outra famosa canção
intitulada “Súplica Cearense”, de autoria de Gordurinha, cantor e compositor
baiano, em que também se cantam os horrores da seca.
Meu
Deus, perdoe eu encher os meus óios de água,
Por
ter lhe pedido, cheinho de mágoa,
Pro
sol inclemente se arretirar;
Desculpe
eu lhe pedir a toda hora pra chegar o inverno,
Desculpe
eu lhe pedir pra acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará.
Em
geral, os passageiros desse trem movido a lenha chegam aos vários destinos –
Caxias, Codó, Coroatá, São Luís ou vice-versa – com a roupa furada em vários
lugares em consequência das faíscas desprendidas ao longo do percurso pela
caldeira fumegante, penetrando pelas janelas em coruscantes fagulhas.
É
um belo espetáculo ver passar o trem, carinhosamente apelidado de Maria Fumaça!
Rufando estrepitosamente – café com pão, bolacha não; café com pão,
bolacha não –, e soltando alegres rabos de fogo por ambos os lados,
sobrepõe-se à ponte em extensão, pois quando a cabeça do “bicho” atinge o lado
de Teresina, seus últimos vagões ainda se arrastam pela Gurita de Timon.
Ah,
Velho Monge, majestoso e belo! Da Costa e Silva assim te cognominou – e
imortalizou – em belo soneto.
Saudade!
O Parnaíba, velho monge,
As
barbas brancas alongando... E ao longe,
O
mugido de bois da minha terra.
Libélulas
e borboletas de mil cores pairam um pouco indecisas sobre o espelho
líquido do Velho Monge, para, depois, darem um rápido mergulho, repetindo aqui
e além a façanha. A água, por sua vez ferida, parece gozar em convulsões
concêntricas até voltar à placidez inicial, continuando a descida inexorável
para o mar distante.
Espetáculo
singelo que os frequentadores das coroas não sabem apreciar. O rebuliço, a
azáfama, o zunzum nas areias redivivas afugentam a natureza, que se retrai e se
recolhe em si mesma ante a invasão do centauro urbano em busca de lazer e
diversão.
O
mundo buliçoso lá de fora chegou até nós. O estrangeiro já é velho conhecido.
Os termos tomados de empréstimo a outras línguas aí estão para prová-lo: expert,
sex appeal, rush, development, rendez-vous e tantos outros. Estão aí
os jornais, revistas, rádio e telefone, vendendo a retalho notícias ainda
fresquinhas, dos quatro cantos do mundo. Uma estação de rádio local chega ao
cúmulo de anunciar que “aqui se dá a notícia antes de o fato acontecer”. As
revistas pornográficas, embora ainda de forma dissimulada, insinuam as
maravilhas de corpos seminus em suas formas calipígias. O cinema, versão
ampliada da imagem em movimento, ensaia passos no mesmo sentido, embora também
com certo cuidado na exposição. Comenta-se em qualquer esquina a última
descoberta da ciência; em qualquer boteco, os avanços da tecnologia. Manchetes
apregoam com estardalhaço o último crime, o derradeiro escândalo. Comentaristas
e repórteres – experts em qualquer assunto -, dissecam os seus
temas favoritos com riqueza de detalhes.
Nos
três ou quatro quarteirões da Paissandu, no auge da pujança, as boites iluminadas
oferecem a satisfação dos desejos masculinos que as pudicas mocinhas suscitam
em jovens mancebos, nos volteios coquetes, aos pares, na Praça Pedro II, a
famosa P-2. São nomes sugestivos e pomposos como: BOITE IMPERIAL, BOITE
IMPERATRIZ, BOITE ESTRELA, BOITE ARAÇAGI, BOITE PARIS, BOITE FACINAÇÃO (escrito
assim mesmo, sem o S), O SUJEITO (essa, até oferecendo certo luxo), e tantas
outras de menor expressão ou sem nome algum, todas a oferecerem bebidas, danças
e a cama para o sexo.
Em muitos desses quartos, por alguns
chamados de “Aps”, mas apenas por questão de eufemismo, nem ventilador existe.
Apenas no bordel “O Sujeito”, na “Boite Estrela” e em mais um que outro,
encontra-se tal conforto moderno. Nenhuma dessas boates possui banheiro
privativo. Vários litros com água, uma bacia e algumas toalhinhas constituem
todo o equipamento para higienização dos atores do imbróglio amoroso.
Isso, para pessoas mais pudicas, é até constrangedor. Após a refrega, o
garanhão posta-se de pé segurando a bacia entre as pernas meio abertas,
enquanto a prostituta lhe lava do pênis o líquido seminal, enxugado-o em
seguida, com uma das toalhinhas. Depois, agacha-se ela própria sobre a mesma
bacia, e procede a uma rápida limpeza de suas partes íntimas, tentando
livrar-se um pouco dos seus próprios gêiseres e do víscido produto masculino.
Não raro, um e outro urinam no recipiente, posto que o ato sexual induz a essa
necessidade biológica.
Essa é a Paissandu de tantas
histórias...
É o mercado da carne jovem de
mocinhas piauienses, maranhenses, cearenses e de outros estados, em geral
vindas de cidades do interior, apresentadas como cariocas, paulistas, gaúchas e
algumas até como oriundas das estranjas. Dessas o cachê é bem mais
salgado, proibitivo, portanto, à bolsa do estudante pobre ou do comerciário mal
remunerado. Essas ficam nos salões, sentadas às mesas, à espera do freguês
endinheirado que lhes paga uma bebida, ensaiam alguns passos de dança ao som de
uma orquestra em surdina, e depois as levam para os Aps, para o serviço de
cama. As mais velhas ou feias ficam nas esquinas e calçadas, em apelos
sensuais, oferecendo seus préstimos e discutindo preços. Para essas existem as
casas de cômodos, de aluguel bem mais barato. São free lancers.
A
sociedade, com a devida cautela, aceita essa geleia geral porque é quente; a
cidade, sensual, as mulheres... Bem, existem-nas para todos os gostos e bolsos.
Pois o mercado é farto em ofertas. Essa aceitação tácita do
meretrício por parte da sociedade vem desde a alta Idade Média. Aliás, de muito
antes. A Igreja, que já dominava a vida das pessoas em todos os aspectos
temporais, passaria também a policiar-lhes a consciência, instituindo a
confissão secreta e, juntamente com ela, a absolvição. E todo o clero, desde a
figura menor do padre ao mais alto posto da hierarquia eclesial, passou a ser
detentor dos segredos de toda a gente. Isso representava um poder de vida e morte,
tanto assim que se acontecia de alguém, principalmente o homem, passar algum
tempo sem se submeter às barras do confessionário, era cobrado a fazê-lo; se
resistisse, sofria as ameaças da excomunhão e do fogo do inferno para a alma
imortal e, pessoalmente, tornava-se passível de enfrentar sérios transtornos,
inclusive o tribunal da Santa Inquisição, em tempos não tão remotos.
Mas
onde entra a aceitação tácita do meretrício por parte da sociedade?
Santo
Tomás defende o seguinte:
... com relação à natureza física, o homem deseja naturalmente
os prazeres do alimento e do sexo, assim também no que respeita a sua alma
deseja ele conhecer alguma coisa. Mais à frente, conclui: Se
uma mulher casada se enfeita para agradar o marido, pode fazê-lo sem pecado, já
que isso pode ser um meio de afastá-lo do adultério.
Lutero,
o grande proscrito da Igreja, proclamaria mais tarde:
Uma mulher dotada de uma certa graça leve e rara não pode tão pouco
passar sem homem como sem comer, beber, dormir ou exercer qualquer outra função
natural. Tão pouco pode o homem passar sem mulher.
O
primeiro, quebrando a rígida disciplina eclesiástica que determinava somente
ser lícito o sexo para a santa finalidade da procriação,
libera o homem casado a praticá-lo com a sua mulher, desde que isso o afaste do
adultério. O solteiro que se lixasse, conforme Tomás. Já Lutero declara-se
liberal quanto ao seu exercício, seja para o homem, seja para a mulher, embora
com relação a esta, exprima terrível e flagrante preconceito contra as feias,
posto que a Eva luterana tem de ser dotada de uma certa graça leve e
rara.
Onde,
pois, buscar o solteiro a satisfação dessa necessidade tão natural – o sexo –,
se não junto à prostituta?
Assim,
com a implícita permissão da comunidade, essa mulherada toda – da Paissandu e
de outros bordéis menosbadalados –, também nos finais de semana
invade as coroas. Se não exageram nos trajes ou nas cavas dos maiôs, na pintura
exagerada dos lábios, e têm comportamento discreto, chegam a passar por “moças
de família”, integrando o colorido universo dos quentes veranistas. Pois,
geralmente, são de boa procedência familiar, educadas e de boas maneiras,
caídas na “vida fácil” em razão de um sedutor perverso que lhe levou a “honra”,
e cujos pais – e não raro toda a família – as expulsam de casa para tentarem
resguardar um pouco o orgulho e dignidade feridos.
O
carnaval é o fautor maior desse celeiro de carne jovem. Não era difícil se
constatar, dois ou três meses após o reinado de Momo, a turma masculina,
terminada a ronda na P-2, descer para a “Paissandu” em busca
dessa messe de brotinhos jovens e inexperientes, sob os comentários de que
“Fulana”, desceu; Sicrana caiu; Beltrana sentou
praça. Alguns, ao terminarem a transa, alardeavam, em resposta às perguntas
dos curiosos (e invejosos) amigos:
-
Que tal?
-
Beleza! Um estouro! Ainda apertadinha!
- 2 -
Aqui,
onde até bem pouco a pachorrenta paz ainda a todos irmanava, em que sentar-se
na calçada para o papo descontraído era costume salutar e sem nenhum perigo,
até aqui já se percebem sinais de tensão. Os muros estão pichados com
inscrições recentes recobrindo as mais antigas:
-
Tudo pelos camponeses maranhenses!
-
Luta de Classes!
-
Viva Chico Julião!
-
Viva Cuba!
-
Viva Fidel!
-
Viva Che Guevara!
Ou,
ainda, a demagogia dos candidato no leilão de votos:
-
Para Senador, homem de larga visão, vote em José Cândido Ferraz!
-
Para Deputado Federal – Honestidade e Trabalho – vote em Dyrno Pires Ferreira!
-
Para Governador...
-
Para...
Para
tanta coisa! Para tanto cargo! Para Deputado Estadual; para Vereador – até para
o diabo se pediam votos. Tudo isso de mistura às disputas à presidência de
grêmios e centros estudantis. Trabalho! Honestidade! Visão! Devotamento à Causa
Pública! Defesa dos Interesses Maiores do Povo! Eis o vocabulário com que se
escreve o poema mural da antinomia demagógica. Cada candidato – e somente ele!
– é espelho de honestidade, trabalho e honradez. Somente os homens de cada
partido são bons – são únicos! Esquecem-se de que aquele “Honesto e Honrado
Senhor” de hoje era, no pleito anterior, um patife e ladrão. Ele estava na
oposição. Pouco bastou para se depurar: mudar de partido! Como
se cada partido não fosse o cadinho mágico em que se depuram e se buscam os
fisiologismos, as vantagens pessoais, as benesses do cargo. Nada mais espúrio e
hipócrita do que os chamados “Programas do Partido”, que políticos finórios
invocam e alegam para a macaqueação das mudanças, quando, com isso, vislumbram
alguma vantagem para si e/ou para o seu grupo.
Aqui
uma parte do povo já desperta para isto: a percepção do jogo e
do logro. Adquire uma nova visão do mundo lá fora. E faz a cobrança.
Estão aí, nas paredes e nos velhos muros, cobrindo às vezes as legendas mais
antigas:
-
Reformas de Base!
-
Terra para os Camponeses!
-
Viva as Ligas!
O
povo aqui já se conscientiza, já se politiza. Já se sente parte do mundo.
Convivem conosco os reformadores sociais. Já se tem consciência das convulsões
sociais lá fora, do que se busca em benefício de todos: a divisão mais justa e
equitativa dos bens que a própria sociedade produz, através do progresso e do
desenvolvimento. Até aqui já se tem consciência de que se faz necessário
iniciar a luta contra a política dos currais eleitorais e do coronelismo. De
que é preciso arrebentar cabrestos, quebrar cangas e derrubar currais. Mister
se faz que as velhas oligarquias – rurais e urbanas –, sejam substituídas com
urgência. É preciso dividir a “mais valia”.
Esse
sentimento novo andava no ar. Farejava-se por toda parte esse clima de
agitação, de protesto, de contestação jovem. Era o movimento hippie incipiente,
com o slogan: “Faça o Amor, Não Faça a Guerra”. Detectava-se também
uma insatisfação, uma espécie de negação à dominação do mundo pelo Grande Irmão
do Norte, principalmente na América Latina. Era Marcuse com uma proposta nova
de “Poder Jovem”. Era Mcluhan com a sua ideia de “Aldeia Global”, focada no
instantâneo das comunicações. Era Theodore Roszak, com o livro A
Contracultura, cuja chamada é “O Dilema da Sociedade Tecnológica”, no
qual procura, com os seus ensaios filosóficos e sociológicos, analisar e
entender os destinos de uma sociedade em rápido processo de mudança. Ali, ele
não apenas examina as diferentes visões de mundo, como propõe uma ruptura com
os velhos padrões e conceitos no campo da educação, da política, das relações
sociais e da economia, como forma de reorientar toda uma juventude sem rumo e
meio alienada.
Era
o “Mutante Cultural” tomando chegada de mansinho. E, junto, os alucinógenos – o
LSD, a maconha... Era o estabelecimento de uma nova consciência que, neste
momento, irradiava-se pelo mundo inteiro, e que estava a provocar grandes
mudanças a que Toynbee denominou “Grande Curvatura Histórica”. E Teresina fazia
parte desse sentimento, participava desse momento de mudanças através de alguns
inflamados líderes estudantis, embora ainda se constituísse um movimento um
tanto acéfalo, meio amadorístico e algo romântico. Alguns desses arautos
estudavam no Rio de Janeiro, onde a contestação já ganhara caráter de luta em
que se buscava implantar esse ideário entre os estudantes, o proletariado e o
campesinato.
Embora
andassem no ar essas ideias, paradoxalmente só uns poucos a elas aderiam pelo
fato de não terem delas uma melhor concepção ou entendimento. Enquanto alguns
falavam de Cuba, de Che, de Marighela e outros grandes líderes estrangeiros, a
maioria estudantil ainda permanecia na indiferença, muitos até nem se dando
conta de que houvera uma revolução vitoriosa em Cuba. Isso porque o
reacionarismo ainda era muito forte, pois não interessava à burguesia urbana e
rural a derrubada dos currais e a quebra dos cabrestos. Não obstante essa
aparente paralisia, o grito de liberdade preso na garganta estava prestes a
eclodir.
Não
seria naquele domingo de agosto, naquele exato domingo. Naquela exata manhã em
que libélulas e borboletas de variegadas cores beijavam a face das águas
serenas do Parnaíba. Naquela manhã, ainda coexistiam, de forma harmoniosa e
ordeira, a burguesia urbana e rural e a massa de estudantes não-engajados, de
comerciários conformados com os meios-salários de fome que lhes pagava o
patronato insensível, e de trabalhadores rurais jungidos à coleira de ferro da
feudocracia ruralista, reacionários – todos, ou boa parte -, às ideias de lutas
por reformas e mudanças.
O
patronato, fosse industrial, comercial ou rural, entrincheirava-se na defesa
intransigente de seus “territórios”, com apoio das forças armadas, de grande
parte dos parlamentares – deputados federais e senadores –, da esmagadora
maioria do clero conservador e de boa parte da imprensa, cujos patrões
preferiam ouvir falar no diabo que em mudanças. E a classe trabalhadora, salvo
uns poucos gatos-pingados, na vacilação pequeno-burguesa, [5] que ora se posiciona a favor da
burguesia, ora se compõe com o proletariado de todas as classes
sociais.
Havia,
porém, um germe plantado pelo clero, antes chamado ACO – Ação Católica
Operária, depois mudado para MEB – Movimento de Educação de Base. Embora fosse
esse um movimento essencialmente de evangelização, o viés político estava
contido em suas diretrizes. Como fator fundamental dessas diretrizes estava a promoção
humana e a libertação integral, significando isso lutar contra as barreiras e
contradições sociais. A ala progressista da Igreja assenhoreou-se
dessas franquias de forma a estender suas ações às periferias das pequenas,
médias e grandes cidades, executando aquilo a que se propunha o Movimento, que
era fazer a “Opção Preferencial Pelos Pobres”.
Foi
assim que surgiram figuras como Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e Dom
Antônio Fragoso, precursores de uma pregação de cunho revolucionário no sentido
da promoção da justiça social em que a divisão equitativa e justa da terra era
matéria de primeira plana.
Com
a mesma finalidade, criaram-se associações de jovens, tais como Juventude
Estudantil Católica; Juventude Operária Católica; União dos Moços Católicos;
Juventude Universitária Católica, dentre outras. Apenas os MEBs, em virtude de
sua capilaridade (estavam presentes praticamente em todas as paróquias) tiveram
mais eficácia na divulgação de suas ações em razão do que a adesão
das massas às suas teses foi bem mais expressiva. Foram os MEBs que conseguiram
despertar no povo o sentimento de injustiça, no campo e nas cidades, e de que
eram vítimas da cruel exploração patronal.
* * *
2 A explicação para estas palavras de ordem pode ser buscada na
revolta de Dona Noca, em 1951, quando era prefeita de São João dos Patos.
Latifundiária todopoderosa, mas de tendências liberais, juntar-se-ia a
movimentos eclodidos em São Luís contra a posse do governador eleito Eugênio de
Barros. Embora seu levante só tenha durado um mês, foi o suficiente para
inflamar as mentes do campesinato maranhense e depois, Brasil afora. (Nota do
Autor)
3 À parte o conceito marxista e a concepção social da Igreja
sobre Luta de Classes, referimos apenas à percepção que se fazia dela no
Nordeste e principalmente no Piauí, que era a luta do campesinato contra o
latifúndio.
A idéia das Reformas de Base nasceu em 1958, no Governo Juscelino
Kubitschek, mas apenas com João Goulart elas começariam a tomar forma e
abrangiam os campos educacional, fiscal, político, urbano e agrário. (Nota do
Autor) denominação dada à
classe média pela Cartilha Comunista, que não se definia de que lado ficar.
Isso também se aplicava a dirigentes do PCdoB. Quando, por exemplo, um membro
do partido tomava uma posição muito dogmática, era sectário; quando se mostrava
indeciso, estava cometendo uma “vacilação pequeno-burguesa. (Nota do Autor, cf.
Aylton Quintiliano, in A GRANDE MURALHA, 1959)
Seria um desperdício comentar os seus reconhecidos dotes literários. A ressaltar, todavia, que eles tenha se manifestado tão precocemente, em delicado momento de transição da adolescência para a juventude, no caso da Pensão Cacilda, que foi escrita em 1965. Não espere a manifestação de muitos porque nesta seara poucos se atrevem opinar. É da nossa cultura. Muitos certamente vão ler e se enriquecer com os seus textos. Dê sequência às publicações ciente de que é efetivamente uma boa colaboração prestada aos leitores deste blog.José Carmo.
ResponderExcluirSalve, salve João Bosco da Silva.
ResponderExcluirO blog está de parabéns, pois a sua colaboração, embora possa não atrair muitos comentaristas, como bem frisou José Carmo, será um deleite para todos que apreciam os seus escritos.
Continue firme, independente do grande número ou não de comentarios. O que mais importa mesmo é o conteúdo e posso garantir que há muita gente anciosa para usufruir da sua riqueza literária.
Um cordial abraço do
Blog da Terrinha
Pois é meu caro João Bosco, você com sua capacidade de bem descrever as coisas faz com que voltemos no tempo. A propósito eu também estava em Teresina, em 1964 curando uma malária violenta adquirida lá pras bandas do Maranhão, e tenho algumas recordações desse período, embora na minha idade aquela época (9)nove anos, tudo pareça mais grandioso do que realmente é, continuarei acompanhando suas postagens...
ResponderExcluirAbraços
João Batista Rodrigues
Prezados amigos José Carmo, Leonel (blog da Terrinha) e João Batista.
ResponderExcluirObrigado. Entendo a posição de quem não leu a de quem leu e não comentou. Se esta última hipótese aconteceu, já me dou por satisfeito. Agradeço a todos.
João Bosco
Eu lí seu texto e não comentei nada, até então...
ResponderExcluirMas não consigo deixar passar em branco.... ler seus escritos e não deixar aqui meu comentário, é quase impossível.
Como semnpre, é muito prazeroso, ler e participar de tudo que é postado e cometado aqui, como no seu texto, se referindo ao convite do Antônio José, concordo totalmente contigo, quando se refere a política e a essa fase pré-eleição, em xico santo.
Os conterraneos, são todos gente da gente (gente boa) e não podemos fazer campanha, ou comentário político, contra esse ou aquele candidato, pois temos admiração e afeto por pessoas de ambos os lados.
É melhor deixarem eles fazerem suas escolhas, pois são mais sábios do que nós que moramos longe e não estamos de frente aos problemas e desejos da população. Tio, não abandone esse blog, é muito bacana ler seus textos e de todos os outros aqui postados.
Grande Abraço.